quinta-feira, 2 de março de 2017

Tratores vão passar a ter que ir a uma vistoria anualmente

 VÁRIOS TRATORES
 
 











 
 
“As inspeções periódicas aos tratores agrícolas não se justificam!”. Após análise, no início do ano, de uma proposta lançada pela Confederação de Agricultores Ingleses sobre este tema e que o próprio Executivo de David Cameron (primeiro-ministro do Reino Unido) colocou em prática, o Parlamento Europeu não caminhou na mesma direção. Como argumento, adiantou que se “tratam de operações muito caras” e que se “tornariam num ónus para os agricultores”. Ainda no mesmo texto, Bruxelas afirma que “as inspeções periódicas não se apresentam necessárias para a segurança rodoviária”. Esta é a opinião da instituição presidida pelo alemão Martin Schulz. De Portugal, da parte de Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), existe quem defenda esta posição. “Os casos de sinistralidade grave relacionadas com a utilização de tratores não estão diretamente relacionados com a sua inspeção. A generalidade dos acidentes graves e mortais não se verifica na via pública, e sim em situações de capotamento do veículo no interior das explorações e com máquinas mais antigas, sem arco protetor. A inspeção poderá apenas constatar que o arco não está lá, porque o trator não foi construído de forma a poder comportá-lo. Pelo contrário, os tratores mais recentes possuem esse arco, sendo obrigatória a construção dessa forma”.

Ainda assim, outras vozes se levantam, afirmando o contrário. A abolsamia procurou fazer um levantamento de opiniões, dados e números, de forma a lançar a discussão sobre esta problemática. Sem sucesso, tentámos também ouvir uma opinião do governo. A ausência de resposta não foi, porém, um travão na realização desta reportagem. Muito há a dizer, mesmo sem esta fonte.
 
Números que assustam

Comecemos pelos números, a melhor forma de enquadrarmos o leitor: dados disponibilizados pela Guarda Nacional Republicana (GNR) mostram-nos que, até finais de julho de 2014, ocorreram, na via pública, 20 acidentes. Daqui, resultaram 15 mortos, 23 feridos graves e dois ligeiros. Quando o cenário é transportado para terreno agrícola/privado, e tendo em conta que o período de análise diminui dois meses (31 de maio), o número de acidentes dispara para 66. Foram contabilizadas 22 mortes, 13 feridos graves e 33 ligeiros. Num breve resumo, é percetível que a grande maioria dos acidentes com tratores ocorre em terrenos agrícolas privados, local onde se verifica, também, a grande maioria das vítimas mortais. Neste capítulo, destaque para Bragança, com cinco mortos, como o distrito “mais mortal”.

E o que diz a GNR sobre estes números? Numa notícia publicada pela Lusa, são enumeradas as seguintes causas: “falta de manutenção do veículo, ausência da estrutura de proteção (arco de segurança), fadiga provocada pelo excesso de horas de trabalho, condução sob o efeito de álcool e excesso de carga”.

Confrontado sobre este tema, Carlos Rocha, diretor-geral do Grupo Tractores de Portugal, identifica aqueles que, na sua opinião, são os motivos para os números apresentados pela GNR. “Cada vez mais somos confrontados com notícias de diversos acidentes envolvendo tratores agrícolas. As causas são variadas, mas a principal tem que ver com o envelhecimento do parque e respetiva falta do arco de segurança. Além disso, o estado de conservação e manutenção de muitos tratores não é o mais adequado”, crítica.

João Pimenta, da AGCO, não tão crítico, apresenta, ainda assim, uma perspetiva de que é necessário debater este tema junto das entidades competentes. “Parece-me importante discutir este tema em Portugal, cuja implementação certamente exigirá bastante trabalho e envolvimento das autoridades, fabricantes e comerciantes do setor”, afirma, para depois explicar os vários níveis de inspeção a considerar e as suas diferentes abrangências. “Nem todos os veículos apresentam homologação comunitária e portanto não cumprem os mesmos requisitos legais. Quanto ao nível de inspeção, é necessário definir se esta irá focar a vertente de segurança de circulação na via pública, se na segurança do operador ou, até, em ambas as vertentes”, enumera.

Também contactado pela abolsamia, Arnaldo Caeiro, diretor comercial da Same Deutz-Fahr Portugal (SDF), lembra que “as inspeções periódicas obrigatórias devem ser alargadas aos tratores agrícolas tão breve quanto possível”. Para o responsável, “esta medida deve ter como objetivo detetar e corrigir situações de não conformidade relacionadas com a segurança de utilização, condições de circulação na via pública, emissões de gases poluentes e segurança ambiental”. “Atendendo ao elevado número de tratores em circulação com muitos anos de utilização, durante um período inicial, as inspeções teriam de ser conjugadas com um sistema de incentivos ao abate de tratores em fim de vida”, propõe.

Já Luís Mira segue em direção oposta. “A CAP acha, naturalmente, que deveriam existir incentivos à modernização da maquinaria agrícola, de forma a que os tratores antigos possam ser progressivamente substituídos por veículos construídos com o arco, mas trata-se de uma matéria que não tem a ver com as inspeções”.

Mais mortes em acidentes com tratores

Um outro estudo a que a abolsamia teve acesso (menos recente, mais abrangente) foi o da Autoridade Nacional Segurança Rodoviária (ANSR). Um documento que analisou a sinistralidade rodoviária com tratores agrícolas durante o período de 2000-2009. Dez anos de estatísticas, portanto.

De 2000 a 2010 (acrescentando um ano à análise), registaram-se 3576 acidentes com vítimas, 380 mortos, 512 feridos graves e 3956 feridos ligeiros.

Após análise superficial dos dados, a primeira conclusão: por cada 100 acidentes, oito condutores agrícolas morrem. Em comparação, observamos que a categoria seguinte (motociclos) têm uma taxa de três mortes por 100 acidentes. O número baixa para dois nos ciclomotores e fixa-se em um nos automóveis ligeiros e pesados. Em síntese, a taxa de mortalidade em acidentes com tratores é oito vezes superior à dos condutores de automóveis ligeiros e pesados, o quádruplo no caso dos ciclomotores e mais do dobro relativamente aos motociclistas. Um outro dado relevante apresentado pelo relatório da ANRS mostra que aproximadamente metade dos tratores intervenientes em acidentes com vitimas têm mais de 10 anos.

Carlos Rocha volta à carga relativamente ao assunto. “Sou da opinião que um programa de Inspeções Periódicas Obrigatórias (IPO) aos tratores agrícolas seria da maior importância para a manutenção de um nível adequado de eficiência e segurança no parque de tratores em Portugal. Seria fundamental um programa de rejuvenescimento deste parque, através de um programa efetivo de incentivo ao abate de máquinas com idade elevada”, sugere.

Agarrando no tema das IPO´s, Arnaldo Caeiro lembra que a sua implementação “deve ser da responsabilidade do Ministério da Administração Interna, em coordenação com o Ministério da Agricultura, e que as inspeções têm que ser realizadas por entidades independentes e certificadas, tal como acontece no setor automóvel”.

Estas opiniões vão ao encontro dos números recolhidos pela ANRS: as melhorias observadas nos índices de sinistralidade rodoviária nacionais não se têm manifestado com a mesma intensidade ao nível dos tratores agrícolas.

A finalizar, Arnaldo Caeiro aponta algumas medidas preventivas para a diminuição dos acidentes. “É necessário alterar as condições legais para a atribuição da carta de condução de tratores agrícolas. É imperativo, ainda, que exista um nível de formação elevada, nomeadamente em aspetos relacionados com segurança de utilização. Por último, realçar que as entidades responsáveis pela fiscalização do trânsito também devem ter formação sobre a legislação aplicável às máquinas e equipamentos agrícolas”.

O diretor-geral da Tratores de Portugal não se esquece, por outro lado, de algo vital para que a conjuntura melhore: “dever-se-ia implementar um programa de introdução de arcos de segurança certificados em tratores que não o possuam”, recorda Carlos Rocha.

Base de dados comum
 
Na Europa, através da CEMA (European Agricultural Machinery), chega-nos a informação que está na agenda a criação de uma base de dados comum relativa aos acidentes com tratores agrícolas. Uma medida que, diga-se, poderá ajudar a identificar as principais causas e realizar estudos comparativos, de forma a uniformizar a luta contra este tipo de sinistralidade.

Contactado pela abolsamia, Ivo Hostens, diretor técnico da CEMA, fala sobre a perspetiva europeia relativamente a este assunto. “Temos agora uma nova diretiva, publicada pela Comissão Europeia, que é a 2014/45/UE. Neste documento, e sobre os tratores em particular, diz o seguinte: aqueles [tratores] cuja velocidade máxima seja superior a 40 km/h deverão estar sujeitos à inspeção técnica”.

Apesar do texto publicado, diz Hostens, “a medida terá pouco impacto nos países da União Europeia, pois a velocidade máxima é, regra geral, de 40 km/h”.

Para o responsável, a “CEMA é claramente favorável à realização de testes periódicos aos tratores, pois poderá ser uma excelente ferramenta de combate à sinistralidade envolvendo estas máquinas”. Por outro lado, refere, “será necessário um amplo debate para ajustar as medidas a todos os estados-membros, bem como juntar a esta discussão todos os agentes do setor de cada nação”. “Ninguém poderá ficar de fora”, avisa.

Uma nota publicada pela própria CEMA, indica ainda que o “sistema atual é claramente insuficiente para um entendimento profundo das principais causas dos acidentes que envolvem tratores agrícolas na União Europeia (UE)”, acrescentando também, no mesmo documento, que se “trata de um trabalho profundo e que envolve legislação de cada um dos estados-membros da UE”.

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